Rafael Carvalho — Dois Corações e o Amor pela Viola da Terra

A Viola da Terra, também conhecida como “viola de arame”, “viola de dois corações” ou “viola de 12 cordas”, é um instrumento de cordas tradicional típico do Arquipélago dos Açores, Portugal. É constituída por uma caixa de ressonância alta, estreita e em forma de oito, com cintura pouco acentuada, braço comprido e escala que vai até à boca, com vinte e um pontos. Tem geralmente a boca em forma de dois corações que, segundo a interpretação popular, representa o amor entre duas pessoas que estão separadas fisicamente. Outros elementos da decoração da boca e tampo estão associados à simbologia relacionada com o acto de emigração.

A origem desta viola está relacionada com a presença da viola (ou guitarra) portuguesa, trazida do continente português aquando do povoamento das ilhas dos Açores, por alturas do início do século XV. Pelo isolamento que condicionava a vivência nos Açores, e através da imaginação de várias gerações de construtores, a Viola da Terra foi alterando as suas características originais até aos dias de hoje, originando dois tipos distintos: a Micaelense (típica da ilha de São Miguel) e a Terceirense (oriunda da ilha Terceira).

A Viola da Terra Micaelense tem 5 ordens de cordas duplas, as 3 primeiras afinadas em uníssono e 2 restantes em oitava, e a Viola da Terra Terceirense tem normalmente 5 ordens de cordas com a 2 primeiras duplas e afinadas em uníssono, e as restantes 3, triplas e afinadas em oitavas. A Viola da Terra Terceirense pode ainda ter uma ordem de cordas mais grave extra, somando ao todo 15 cordas, ou mesmo 18 cordas, quando é acrescentada uma 7ª ordem de cordas.

Ao longo dos séculos, a Viola da Terra assumiu uma grande importância social e cultural na vida dos açorianos, marcando presença em diversas manifestações festivas tradicionais, para acompanhar melodias, como sejam: o Carnaval da Graciosa, os bailes regionais em São Jorge, a Chamarrita do Pico, as festas do Espírito Santo, as Cantigas ao Desafio, entre outras manifestações culturais que acontecem um pouco por todas as ilhas.

A Viola da Terra é um instrumento que se pode encontrar em quase todas as ilhas do arquipélago, variando entre elas por diferenças de construção, encordoamento, afinação e técnica de execução.

Até há alguns anos atrás, a Viola da Terra passou por um período de algum desinteresse, por parte das populações, sendo substituída pelo violão mercê da dificuldade em se encontrar tocadores e, em última instância, construtores de instrumentos. No entanto, de há alguns anos a esta parte tem havido um renovado interesse pela Viola da Terra, quer por parte de quem quer aprender a tocar o instrumento, quer da parte de quem o poderá construir.

Parte deste trabalho de recuperação, divulgação e ensino das artes da Viola da Terra tem vindo a ser feito pelo músico açoriano Rafael Carvalho.

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Rafael Carvalho

Nascido na freguesia da Ribeira Quente, ilha de São Miguel, em 1980, desde tenra idade que revelou gosto pela música, sendo que aos 12 anos já estava a aprender a tocar violão com o seu pai. Fascinado pela sonoridade única da Viola da Terra, com apenas 13 anos de idade, começou a aprender a tocar o instrumento, com Carlos Quental, na Escola de Violas promovida pelo Grupo Folclórico de São Paulo.

No ano seguinte, foi formador na Escola de Viola da Terra da Ribeira Quente e três anos depois membro fundador do Grupo de Violas/Foliões da Ribeira Quente em 1996. Foi membro do Grupo Folclórico São Paulo, colaborando com outros Grupos Folclóricos da ilha de São Miguel.

Em 1996, estreou-se a acompanhar as Cantigas ao Desafio, com o seu colega Jaime Braga ao Violão, conseguindo, ainda que com alguma dificuldade no princípio, afirmar a Viola da Terra neste género musical, que havia sido substituída pela Guitarra Portuguesa.

Esta vontade de divulgar a sonoridade da Viola da Terra, incorporando-a em manifestações musicais populares, ou, noutros casos, restaurando o seu lugar nas manifestações musicais populares, tem feito de Rafael Carvalho um verdadeiro “embaixador” da Viola da Terra para as novas gerações.

O seu trabalho assenta também numa vontade de perpetuação e garantia de continuidade dos ensinamentos musicais dos nossos antepassados para as gerações futuras.

Em 2005, formou o Trio Musica Nostra, com Ricardo Melo e Ana Medeiros, com o qual lançou o primeiro trabalho discográfico em 2010 intitulado “Cantos da Terra”.

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O Trio actuou no X Aniversário da Orquestra Regional Lira Açoriana, num concerto inédito para Orquestra e Viola da Terra, tendo também actuado já em todas as ilhas dos Açores, e ainda em Bruxelas, no Teatro da Trindade e nas FNAC do Colombo e de Alfragide.

Rafael Carvalho foi também formador de Viola da Terra na Academia de Música da Povoação, e é formador da Escola de Viola da Terra do Grupo Folclórico da Fajã de Baixo. Exerce funções docentes de Viola da Terra, no Conservatório Regional de Ponta Delgada, onde desenvolveu o primeiro Programa Mínimo de Viola da Terra Micaelense para o Conservatório Regional de Ponta Delgada, da Iniciação ao 5.º Grau.

Organizou com a Associação de Juventude Viola da Terra o I Encontro de Violas Açorianas (2011), que envolveu a presença de tocadores de 5 Ilhas dos Açores, e, desde 2011, organizam o evento Violas do Atlântico que já conta com 8 edições e que tem trazido aos Açores, anualmente, vários tocadores de Viola de Arame para concertos a duo com a Viola da Terra.

Lançou em Fevereiro de 2012 o seu primeiro CD a solo, intitulado “Origens”, com 10 temas instrumentais, dos quais 5 são tradicionais mas 5 são temas originais, escritos para Viola da Terra — o que constituiu o primeiro trabalho do género nos Açores.

O tema “Mouraria” do álbum foi utilizado como genérico do “Programa das Festas” da RTP Açores, num projecto de Vasco Pernes e Rui Machado.

Dois anos depois, em Setembro de 2014, Rafael Carvalho apresentou o seu segundo CD, intitulado “Paralelo 38”, um trabalho que resgata algumas variações de temas tradicionais, mas mantendo ao mesmo tempo a sua vertente de novos temas originais, e que combina, ainda, instrumentos como Contrabaixo, Violoncelo, Violino, Gaita-de-Foles, Violão e Percussão.

Formou em 2016 o Trio Origens, com Carolina Constância (Violino) e César Carvalho (Violão), tendo já actuado no Arquipélago — Centro de Artes Contemporâneas, no Festival Outono Vivo, na cidade da Praia da Vitória, e durante a Temporada Artística 2018, com concertos no Solar dos Viscondes Botelho e no Centro Municipal de Actividades Culturais de Nordeste. O trio também já actuou no Auditório do Museu dos Baleeiros, no Pico, e na Casa dos Dabney, no Faial.

 

Lançou em Julho de 2017 o seu terceiro CD “Relheiras” que inclui 7 temas originais seus para Viola da terra.

As “relheiras” (termo que dá nome ao álbum) são sulcos na paisagem lávica de pedra, uma espécie de “fóssil de trilho”, formados pela contínua passagem dos carros de bois de outros tempos. Servindo de trilhos para o transporte de mercadoria, na sua maioria pesada, as rodas dos carros de bois foram moldando a pedra à sua passagem, formando sulcos profundos e contínuos, que sobreviveram à passagem do tempo e que nos ajudam a entender melhor o passado e a história das ilhas dos Açores.

O álbum “Relheiras” é inspirado nesta ideia da passagem do tempo e da forma como deixamos marcas ou ficamos marcados pelas nossas vivências, e é, segundo o autor, o reflexo da sua relação com os diferentes locais e diferentes pessoas que marcaram a sua vida ao longo do tempo.

Em Julho de 2018, Rafael Carvalho apresentou ao público o seu quarto CD, intitulado “9 Ilhas, 2 Corações”. Um aturado e extenso trabalho de recolha do cancioneiro tradicional açoriano, este álbum duplo inclui 80 temas instrumentais em Viola da Terra, tradicionais de todas as Ilhas dos Açores.

O trabalho deste músico pode ser apreciado na qualidade da gravação e masterização dos registos, assim como na técnica e excelência de execução, que tornam a sonoridade da Viola da Terra ainda mais cheia e rica ao executar as melodias do cancioneiro regional dos Açores.

Rafael Carvalho também publicou livros de aprendizagem da Viola da Terra, como sejam os “Método para Viola da Terra — Iniciação” (2013), “Método para Viola da Terra — Básico” (2015), “Método para Viola da Terra — Avançado” (2016).

Colaborou musicalmente em dois temas com a Viola da Terra no CD de Manuel Costa “Eu sou uma Ilha”, editado em Agosto de 2018.

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